A Flecha que Disparamos Contra Nós Mesmos
A Flecha que Disparamos Contra Nós Mesmos
Nossa Roda de Conversas nos levou a um lugar inesperado e fundamental. Partimos de experiências sobre ansiedade e a dificuldade de lidar com a incerteza, até que uma pergunta foi colocada no centro da sala: para navegar em tudo isso, no fundo, é preciso ter fé? É preciso acreditar que "a vida foi feita para dar certo"?
Essa questão abriu as portas para a investigação mais profunda de todas: a da natureza do nosso sofrimento e da nossa relação com o ego.
O que descobrimos juntos é que grande parte da nossa ansiedade, da nossa necessidade de controle e do nosso medo do futuro não vem da realidade em si, mas da estrutura psicológica através da qual a percebemos. Chamamos essa estrutura de "ego". Ele é o mecanismo que cria o conceito de "Eu", uma identidade separada do mundo. E, por se sentir separado, o ego passa a ver o mundo como um lugar ameaçador, uma fonte de potenciais agressões — um layoff, uma crítica do chefe, o fracasso de um projeto.
Esse "Eu" conceitual é construído e reforçado por um processo incessante de ruminação, a voz interna que nos conta histórias sobre quem somos, o que os outros pensam de nós e o que pode dar errado. Quanto mais nos identificamos com essa voz, mais real ela se torna, e mais prisioneiros nos tornamos de suas narrativas de medo.
É aqui que a sabedoria de Buda, compartilhada na conversa, nos trouxe uma clareza imensa através da parábola das duas flechas. Como ele mesmo explicou:
“Quando uma pessoa comum é atingida por uma flecha, ela sente dor. Mas ao se revoltar contra essa dor, desejar que ela não estivesse lá, se afligir e se identificar com ela — é como ser atingido por uma segunda flecha. Essa segunda flecha é o sofrimento.”
- Sidarta Gautama
A primeira flecha é a dor, o evento real: a tarefa atrasou, o cliente reclamou, o corpo adoeceu. Essa flecha é, muitas vezes, inevitável. O sofrimento, no entanto, é a segunda flecha: a que nós mesmos disparamos em seguida. É a história que contamos sobre a primeira flecha: "Eu sou um fracasso", "Vou perder meu emprego", "Minha imagem será arruinada". A primeira flecha é o que acontece; a segunda é a reação do nosso ego ao que acontece.
Como, então, paramos de disparar a segunda flecha? A prática, como exploramos, é a da desidentificação. É o ato de dar um passo atrás e perceber que "Eu não sou minha mente; eu tenho uma mente". É cultivar um Observador Interno, o "céu azul" que simplesmente testemunha as "nuvens" de pensamentos e emoções passarem.
Um exemplo prático e poderoso emergiu na conversa: a experiência de tomar um remédio amargo. Quando nos identificamos com a sensação, o gosto é "ruim", o corpo reage, a mente reclama — disparamos a segunda flecha. Mas, quando nos posicionamos como o observador e simplesmente investigamos a sensação com curiosidade — "Que gosto é esse? Onde o sinto? Como ele muda?" —, o sofrimento se dissolve. A dor (o amargor) continua, mas a reação a ela desaparece.
Essa jornada de desidentificação, que pode ser cultivada pela meditação ou catalisada por experiências viscerais, é o caminho do "ego para o eco". Não se trata de eliminar o ego — ele é uma ferramenta adaptativa útil —, mas de colocá-lo a nosso serviço, em vez de sermos comandados por ele. Quando o ego sai da posição de comando, o que resta é um estado natural de confiança, a "fé" que buscávamos no início da conversa. É a serenidade de saber que podemos lidar com a primeira flecha, qualquer que seja ela, sem a necessidade de nos punirmos com a segunda.
Sua Vez de Refletir
Qual foi a "primeira flecha" que a vida lhe atirou hoje? E qual é a história — a "segunda flecha" — que seu ego está contando sobre ela?