Clareza na Complexidade: Parte 1 - Compreendendo a Origem de um novo Tipo de Ansiedade na Liderança
Frequentemente, colocamos "estruturas de ação" entre nós e a realidade com a qual precisamos nos relacionar. Essas estruturas funcionam como guias para o nosso agir e são, em essência, mapas. Eles tomam a forma de nossas estratégias, processos, regras, métodos e até planos quinquenais. A lógica é simples: fazemos alterações nesses mapas e esperamos que elas causem uma repercussão concreta no território real, aquele onde pessoas se comunicam, tomam decisões e desempenham as ações que transformam tarefas em valor.
Mas, em cenários cada vez mais frequentes, essa lógica começa a falhar. As ações previstas em nossos mapas já não surtem os efeitos que esperávamos. Às vezes, a causalidade que conhecíamos se rompe: a ação X deixa de gerar o resultado Y. Outras vezes, percebemos que nem sabemos mais qual ação propor, pois os "mapas de prateleira" disponíveis no mercado não mais respondem aos novos desafios.
Quando a relação entre causa e efeito se torna desconhecida e os caminhos conhecidos perdem a validade, saímos do território mapeado e entramos no domínio da Complexidade.
Há um momento em que a natureza do território se torna tão dinâmica, volátil e ambígua, que nossas ações deixam de responder aos mapas de causalidade que conhecemos. Estes são os mapas que assumem um entendimento prévio, onde a ação X nos levaria, de forma previsível, ao resultado Y.
Mas o que de fato ocorre nesse tipo de terreno é um desdobramento transformativo, um processo que é, por sua própria natureza, não mapeável. Isso significa que não podemos mais acompanhá-lo com um plano que prevê nossos passos; precisamos aprender a sentir suas repercussões enquanto o caminho se revela a cada passo.
O problema é que não fomos treinados para detectar esse tipo de território. Toda a nossa formação nos ensinou a usar mapas. Quando não temos um, criamos um; quando eles não funcionam, procuramos outros. É aqui que caímos na armadilha do peixe que não tem consciência da água em que nada: nem percebemos que são os próprios mapas que nos impedem de ver e sentir a realidade.
Insistir em criar e seguir um plano nesse ambiente nos aprisiona em uma perigosa "ilusão de controle". O plano "falsifica" a realidade, estabelecendo uma falsa sensação de segurança, pois nossas ações passam a ser validadas pela consistência com o mapa, e não pelo seu impacto real no território. É uma sutil, porém constante, fuga do real.
Do Atrito Externo à Tensão Interna: O Nascimento de uma Nova Ansiedade
O problema fundamental com esses planos e estratégias é que eles são, por natureza, ferramentas de compromisso com o futuro. São instrumentos que buscam fixar um caminho específico, uma tentativa de controlar o que está por vir. Aqui, o conflito se revela: estamos em um terreno de desdobramento transformativo, onde a única norma é a incerteza. Usar uma ferramenta de controle em um ambiente que não pode ser controlado não gera segurança. Gera uma nova e paralisante forma de ansiedade.
Em sua forma mais geral, a ansiedade é um estado que arremessa nossa mente para o futuro, seja por medo de um resultado indesejado ou pelo anseio de um esperado. A mente vai, o corpo fica. A disjunção que se instala é sentida como um estado de urgência injustificada, de insuficiência a ser resolvida, de apressamento sem movimento.
Estamos familiarizados com a ansiedade que sussurra 'não vai dar tempo' ou 'vai dar problema'. Essa é a ansiedade do mapa. Por mais desgastante que seja, ela nos é familiar e conseguimos sobreviver a ela. Passamos décadas desenvolvendo um arsenal de metodologias para tentar domá-la, para garantir que o plano seja cumprido. Sabemos, ou acreditamos saber, o nome da dor e o remédio para a cura.
No entanto, o mundo se tornou rápido demais, dinâmico demais. A Complexidade que antes podia ser ignorada, agora não ignora mais você.
Com ela, surge um novo tipo de ansiedade, com vozes mais profundas e desorientadoras: "não sei o que fazer", "não sei o que vai acontecer". Essa não é mais a ansiedade de quem teme não cumprir o plano. É a ansiedade do território: a percepção angustiante de que o futuro para o qual estamos caminhando pode não nos servir quando chegarmos lá; e, pior, a constatação de que não conseguimos mais saber, de antemão, que futuro deveríamos projetar.
Diante dessa profunda impossibilidade de projeção, restam-nos duas escolhas: podemos paralisar diante da tormenta, tentando nos agarrar com ainda mais força aos mapas que se desfazem em nossas mãos; ou podemos aceitar o convite para mudar fundamentalmente nossa forma de agir. Se não podemos mais confiar no mapa, que representa um caminho predefinido, precisamos aprender a confiar em uma bússola, que nos oferece uma direção enquanto construímos o caminho a cada passo. É a partir dessa escolha, desse ponto de virada, que a verdadeira Clareza na Complexidade começa a emergir.
Na Parte 2 deste artigo, exploraremos as novas habilidades que essa navegação exige, as qualidades internas que precisamos cultivar quando a única certeza é a direção apontada pela bússola.